quarta-feira, 15 de julho de 2009

AS MÃOS



Maria Hilda de J. Alão.

No tempo dos reis, das fadas e das bruxas, três homens viajavam num barco quando uma tempestade afundou a embarcação indo os três, depois de muito nadarem, parar na praia de um país desconhecido. Os homens eram de classes sociais diferentes. Um era rico comerciante, o outro filho de um rei valoroso e o outro era pastor de ovelhas que não eram suas.

Caminharam muito até chegarem numa cidade. Eles contavam sobre o naufrágio, das horas que passaram no mar lutando contra as ondas esperando, com isso, ajuda daquela gente. O povo olhava desconfiado para aqueles forasteiros maltrapilhos, barbudos e murmuravam palavras de esconjuro. O comerciante, acostumado à fartura da sua casa, falou:

- Estou cansado disso tudo. Que povo mais insensível! Nem um prato de comida, nem um catre para eu descansar meu corpo dolorido e ferido pelas agruras do azar.

Os outros dois não disseram nada. Estavam entretidos tentando acender um fogo, batendo duas pedras uma na outra, para cozinhar, numa lata com água do rio, umas folhas que mais pareciam capins. A idéia fora do pastor de ovelhas. Ele conhecia as plantas e sabia distinguir as comestíveis das não comestíveis.

Quase um mês havia se passado e nada. Numa noite de lua cheia e pouco fria, na gruta onde eles dormiam, os três conversavam analisando a situação que estavam vivendo.

- Eu sou comerciante, sei matemática como ninguém e de que me serve? Ela não mata a minha fome, não me aquece e não me faz voltar para casa.

O outro homem, o filho do rei, disse:

- Eu tenho fortuna, muitas terras, uma esquadra de navios que eu trocaria de bom grado por um prato de comida quente, um cobertor e a volta para casa.

Já o pastor de ovelhas, olhando sério para os dois, falou:

- Eu não tenho ouro, terras, navios, também não sou bom de matemática, de meu eu só tenho as minhas mãos.

Os outros dois não entenderam nada. Eles também tinham mãos. O que será que o pastor quis dizer? Foram dormir com o firme propósito de, no dia seguinte, oferecer seus conhecimentos para os moradores da cidade em troca de dinheiro para voltarem para casa. Amanheceu. Com os estômagos vazios, os três se separaram tomando rumos diferentes não sem antes combinarem o encontro na fonte da praça ao final do dia.

O comerciante visitou outros comerciantes que não estavam nem um pouco interessados nos seus conhecimentos de matemática. E o filho do rei? Ele oferecia dinheiro e terras fato que deixava as pessoas desconfiadas a ponto de expulsá-lo a chutes.

O pastor de ovelhas seguia por uma estrada quando avistou uma velha senhora que tentava, com um machado sem corte, partir ao meio um grosso tronco de árvore. Ele se aproximou e, gentilmente, disse:

- Se a senhora permitir eu racho este tronco.

- Ah, meu filho! Grata eu lhe serei por toda a vida. Depois que meus três filhos foram para a guerra eu tenho muita dificuldade para conseguir lenha para a lareira.

O pastor pegou o machado, afiou a lâmina com uma pedra, e partiu o tronco transformando-o num amontoado de lascas de lenha prontas para arderem na lareira da velha senhora. Ele carregou a lenha, arrumou-a em pilhas no celeiro, levou uma porção para dentro da casa empilhando ao lado da lareira. A senhora tinha lenha dentro da casa para mais de uma semana. Terminado o serviço, a senhora o convidou para cear.

- Meu filho, gostaria de fazer um acordo com você. Como você viu, eu tenho uma propriedade enorme e sozinha eu não dou conta do serviço. Preciso de alguém que me ajude. Eu pago bem. Então? Aceita?

O pastor de ovelhas, cujo nome era Salomão, contou para a senhora a história do naufrágio, falou dos outros dois homens, das necessidades que eles estavam passando. Ficou combinado que no dia seguinte Salomão levaria os dois para conhecerem a mulher. Antes de Salomão pegar a estrada rumo à fonte da praça, a senhora arrumou uma mochila com comida, algumas peças de roupas dos seus filhos, três cobertores e o pagamento pelo trabalho do pastor: cinco moedas de prata.

Quando chegou à praça lá estavam os dois de cabeça baixa. Não tinham conseguido nada. Ao avistarem Salomão foram logo perguntando:

- Conseguiu alguma coisa? – o filho do rei foi logo dizendo:

- Como poderia conseguir, ele não tem nada, não sabe nada a não ser guardar ovelhas...

Salomão ficou triste com a observação do príncipe, mas não disse nada. Caminharam em silêncio até a gruta. Só quando o pastor colocou a mochila no chão é que o comerciante perguntou:

- Onde achaste este alforje?

- Eu não achei, eu consegui com minhas mãos.

E contou para os dois sobre a velha senhora que morava só e que necessitava de mãos para ajudá-la no trabalho. No dia seguinte, depois de tomarem banho no rio e vestirem as roupas dadas por ela, os três se apresentaram e começaram a usar a mais perfeita ferramenta que Deus criou: as mãos.

Foi um tempo feliz. Os três se esmeravam no trabalho. A fazenda da mulher produzia a todo vapor. O que eles não sabiam sobre cultivo da terra a senhora ensinava. Já sobre as ovelhas, Salomão era conhecedor e passou todo o seu conhecimento para os outros. À noite, depois do estafante trabalho, a senhora sentava na sala aquecida pelo fogo da lareira e junto com o comerciante fazia o balanço dos gastos e dos ganhos, enquanto o príncipe, juntamente com o pastor, fazia planos para a próxima tosquia das ovelhas. Ficaram ali por um bom tempo.

Um dia, para surpresa de todos, os filhos da senhora voltaram da guerra. Foi uma alegria só.

Estava chegando a hora dos três homens voltarem para casa. Dinheiro eles tinham o suficiente, mas uma coisinha estava fazendo doer o coração. Era o amor que eles ganharam por aquela mulher corajosa. Ela era, para eles, a mãe e eles, para ela, os três filhos que estavam fora. Na despedida a senhora, abraçando cada um deles, dizia que se sentia do mesmo jeito que se sentiu quando seus filhos partiram para a guerra. Para consolo, ficou a promessa de voltarem um dia trazendo as suas famílias.

E assim, meus amigos, o comerciante aprendeu que diante de certas situações os conhecimentos intelectuais não valem nada. E o príncipe que a riqueza é mais pobre que a pobreza quando se tem frio e fome e se é desacreditado em terra estranha. Já Salomão, além do seu conhecimento sobre ovelhas, aprendeu a matemática do comerciante para calcular o lucro da produção de leite, lã e carne de ovelha do seu futuro rebanho regido pelas mãos que Deus lhe deu.