segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Axel Munthe


















Axel Munthe foi médico e escritor. Viveu na Suécia. Seus livros faziam enorme sucesso. Mas a maioria dos leitores não entendia por que um médico como ele acreditava em fadas, duendes e gnomos.
Seu trabalho mais conhecido é o livro de San Michele, sobre sua própria experiência como médico. Nele, Axel conta o encontro que teve com um gnomo. Você pode conhecer a incrível conversa entre eles lendo a história que segue.
Estava hospedado na casa de tio Lars. Dei boa-noite a todos e subi para o meu quarto.

Diante de minha janela havia uma floresta silenciosa e escura.
Acendi uma vela.
Coloquei-a sobre a mesa, deitei-me na cama e adormeci.
De repente, ouvi alguém mexer na mesa.
Abri os olhos.
A luz da vela estava quase se apagando.
Mas pude ver claramente um homenzinho do tamanho da palma da minha mão, sentado com as pernas cruzadas em cima da mesa.Segurava meu relógio e inclinava a cabeça grisalha para o lado, escutando o tique-taque. Estava tão interessado que não percebeu que me sentei na cama e fiquei olhando para ele.
Quando me viu, deixou o relógio cair no chão, deslizou rapidamente pela perna da mesa e disparou em direção à porta.
- Não tenha medo de mim, espere, estou sozinho! - eu disse.
- Fique aqui para que eu possa lhe mostrar o que há dentro dessa caixinha
O gnomo parou e olhou para mim preocupado:
- Não estou entendendo nada!
Juro que senti cheiro de criança nesse quarto, mas você já é adulto, um homem barbado! - E olhando-me com mais atenção, continuou:
- Mas, pensando bem, você não mudou muito desde minha última viagem à casa de seu pai. Você é exatamente a mesma criança que encontrei um dia no quarto de sua casa. Se isso não fosse verdade, você não seria capaz de me ver agora, sentado aqui à sua frente. Você não me reconhece? Era eu que punha suas coisas em ordem enquanto você dormia. Era eu que proibia os pesadelos de entrarem em seus sonhos. Nunca me esqueci de seu quarto, vivia cheio de bichos.
Você escondia todos eles na cama. Lembra quando cismou que era uma galinha e colocou um monte de ovos debaixo do seu colchão? Lembra quando todos os animais fugiram do seu quarto e sua irmã quase morreu de susto?

Um morcego agarrou nos cabelos dela, os sapos e rãs saíram pelo corredor. Ela não parava de gritar e você acabou ficando de castigo.
Mas o pior foi nas férias, quando a criada encontrou uma caveira escondida em sua cama. Sua mãe desmaiou, seu pai berrou. Descobriram que você tinha roubado a caveira do cemitério. Eles não sabiam que você já tinha resolvido ser médico.
- Tudo isso é verdade?
- É verdade. E parece que você ainda mistura a realidade e os sonhos, como fazem todas as crianças.
- Mas já tenho 27 anos! - protestei.
- Você é uma criança grande. Só as crianças podem ver gnomos. Ande, mostre o que está escondendo dentro dessa caixa. É algum animal? - perguntou.
- É um relógio - respondi.
- Um relógio é o coração do Tempo.
- O que é Tempo? - ele quis saber.
- O Tempo se compõe de três coisas diferentes: o passado, o presente e o futuro.
- Ele fica sempre aí, preso nessa caixinha?
- Sim, o Tempo não descansa nunca.
Não dorme e não pára de repetir a mesma palavra no meu ouvido.
- E você entende a linguagem do Tempo? - o homenzinho parecia curioso.
- A palavra que ele me diz é "velhice". A cada hora do dia fico mais velho e cansado. E você? - perguntei.
- Você não tem medo de envelhecer e morrer?
- Morrer? - gritou. - Quem pôs essas bobagens na sua cabeça? Imagine só! Presente, passado e futuro. Que besteira! Você não vê que é tudo a mesma coisa?
Eu, se fosse você atirava essa caixinha no rio para afogar esse gênio ruim que está preso aí dentro. Escute bem o que eu digo: você será sempre uma criança.
Mesmo quando tiver seiscentos anos, como eu.
O sol já começava a nascer.
O gnomo levantou-se, despediu-se sorrindo e desapareceu.

( adaptação de Heloisa Prieto)